O esgotamento do Modelo de Regime Democrático ao redor do mundo e o fim da "Pax Demokratia"
Vivemos na era política da democracia (ou do que restou dessa era). As origens do REGIME DE GOVERNO (isso, essa é a designação correta da democracia) são encontradas na Grécia Antiga (tanto que o termo vem do grego antigo "demos" - povo - e "kratos" - poder - o que forma a palavra δημοκρατία que traduzida literalmente é demokratia). Na nação grega o povo detinha o poder, porém é preciso compreender a noção de povo para os gregos. Na Antiguidade somente homens adultos contavam. Portanto mulheres e crianças não eram povo, não eram cidadãos, além dos gregos admitirem a escravidão, fazendo com que os escravos também fossem marginalizados do processo democrático. Com o fim da Grécia, a então República Romana herdara seus traços democráticos até a instauração do Império Romano em 44 a.C.. A República Romana passou por um pouco do que vivemos hoje, com a instabilidade política que a democracia trouxe ao seu território, o que levou à aclamação de Júlio César como Imperador Romano.
A Democracia Moderna - As maiorias no poder!
Após a derrocada de Roma e o início da Era Medieval, o mundo não percebeu um governo legitimamente democrático até o surgimento de movimentos esclarecedores como o Iluminismo, as Grandes Navegações e o surgimento do Capitalismo Moderno. Esses movimentos trouxeram aos povos das recém formadas nações a necessidade de limitar os poderes estatais para que os abusos absolutistas das coroas não perdurassem. Apesar de ter sido um processo que levou mais de um século até a independência dos Estados Unidos e a Revolução Francesa, trouxe à tona a consciência popular e a organização das massas em prol de objetivos definidos pelas lideranças dessas massas.
Surgia então o Modelo do Regime Democrático como conhecemos atualmente - as maiorias governavam e as minorias deviam seguir as regras -. Parecia o regime definitivo e que extinguiria gradativamente os ultrapassados absolutismo feudal e mercantil. Pouco a pouco, ao longo do séc. XIX e do séc. XX a Democracia tornou-se o regime de governo hegemônico, capitaneado principalmente pelo seu maior patrocinador e propagador, os EUA e seus aliados europeus. Tanto que foi Winston Churchill - estadista britânico e Primeiro-Ministro na II Guerra Mundial - que afirmou:
Winston Churchill |
"Many forms of Government have been tried, and will be tried in this world of sin and woe. No one pretends that democracy is perfect or all-wise. Indeed it has been said that democracy is the worst form of Government excpet for all those other forms that have been tried from time to time. Tradução - "Muitas formas de Governo foram tentadas e serão tentadas nesse mundo de pecado e sofrimento. Ninguém finge que a democracia é perfeita ou sábia. De fato, já foi dito que a democracia é a pior forma de Governo, exceto todas as outras formas que foram tentadas de tempos em tempos".
Essa célebre frase é o baluarte de muitos defensores do Regime Democrático, pois afirmam que não há uma alternativa - ao menos uma que seja mais inclusiva do que a democracia - viável atualmente. Essa constatação não é totalmente mentira ou errada. De fato, a democracia é o regime mais defendido e propagado no mundo, como forma de tornar as massas participantes até certo ponto no processo decisório de seus países. Porém a Era Contemporânea acabou, os ideais da Revolução Francesa e propagados pelos Estados Unidos mundo afora já não atendem mais as demandas do povo. Mas como isso é possível? Como um regime que inclui o povo, consegue excluí-lo? Esse é o ponto chave para compreender o esgotamento da democracia.
A Era Pós-Contemporânea e o fim da Pax Demokratia
11 de setembro expôs um problema crescente desde a década de 1980 e que teve seu "boom" (literalmente e metaforicamente) com os ataques que ocorreram nessa data, em 2001 nos EUA. A constatação de que as guerras nunca mais seriam da mesma forma - o tradicional conflito nação x nação -. Hoje observa-se guerras tradicionais, porém há também conflitos de nações contra organizações terroristas (Síria vs. Estado Islâmico vs. Rebeldes); guerras entre entidades internacionais (Estado Islâmico vs. União Européia); e até conflitos entre corporações particulares de mercenários e grupos paramilitares.
Bandeira do Estado Islâmico |
Todas essa modalidades novas de conflitos bélicos se dão pela extrema tecnologia que possuímos atualmente (especialmente na área de telecomunicações e cibernética). Essas possibilitam que informações viajem o mundo todo em minutos (ou segundos) e tornem-se tão valiosas num conflito como munição ou armas de confusão e distorção dos fatos. Além da guerra de informações, há um fator crucial que geram esses conflitos: em algum momento esses grupos não se viram representados pelos seus governantes e decidiram agir de forma violenta para mudar a realidade. Utilizarei o exemplo do Estado Islâmico a seguir para demonstrar isso.
A Guerra do Iraque (2003) conhecida como Operation Iraqi Freedom foi arquitetada para depor o ditador Saddam Hussein sob a escusa de que ele estaria preparando armas de destruição em massa para atacar Israel e o Ocidente. Essa guerra "libertou" o Iraque, por mais contraditório e esquisito que possa parecer, obrigou a instauração de uma democracia no território do país. Essa democracia não precisa nem de muito conhecimento pra se imaginar que foi rejeitada por muitos grupos do país.
Grupos sunitas e xiitas começaram a disputar pelo poder e minorias mais extremas dos muçulmanos não se viam nem um pouco representados no "governo imposto pelos cristãos malditos". Dentre esses grupos alguns extremistas sunitas oriundos da Al Qaeda, e outras organizações islâmicas terroristas decidiram unir forças para formar um "Estado" para si, quando então surge o Estado Islâmico. A organização ganhou força com o enfraquecimento de Damasco - que não recebia ajuda externa e passava por uma Guerra Civil - e o E.I. encontrou um forte ponto de crescimento no fragilizado território sírio.
Há outros vários exemplos de grupos que partiram para as armas por não se verem representados nas democracias - em especial na África, como o Boko Haram, etc. -. Não é o caso discorrer em cada um deles, porém são exemplos claros que estão disponíveis para pesquisa de como há sim um esgotamento do regime democrático na atualidade. E como a democracia pode sim (para coçar os ouvidos dos liberais ocidentais) gerar guerras e guerras graves.
O esgotamento das democracias ocidentais
Apesar do expostos acima, um forte argumento levantado é que: "Esses países do Oriente Médio e África possuem um forte histórico de guerras e exploração, por isso as democracias não são sólidas". É interessante esse questionamento e de fato, observando apenas o que se discorreu até o momento, toma um vulto de forte contra-argumentação. Porém a crise democrática não se limita a essas regiões. Há sinais claros de esgotamento nas regiões menos turbulentas do globo como na América Latina, e nos próprios Estados Unidos.
Na América Latina há fatores interessantes a serem observados, pois apesar de ser uma região menos complexa como o Oriente Médio, as origens da democracia e de sua consolidação na região advém de movimentos análogos ao que ocorreu com o Iraque, a imposição do regime democrático. A independência dos EUA e as políticas como a Doutrina Monroe, "Big Stick", e as famosas operações nos países simpáticos ao comunismo na Era da Guerra Fria, foram demonstrações e imposições feitas pelos Estados Unidos para manter a região tida como "quintal estadunidense" sob a égide dos princípios democráticos-liberais-capitalistas. E o interessante é que para manter isso, houve na maioria dos países, de uma forma ou de outra a composição de governos ditatoriais - mais uma vez demonstrando as contradições em se impor regimes democráticos.
Após o período da Guerra Fria a democracia encontrou terreno mais fértil na região e prosperou, principalmente liderada pelos acordos regionais do MERCOSUL e da futura cláusula democrática inserida no acordo. Contudo, a democracia era vista na segunda metade dos anos 1990 como a libertadora da região de seu histórico atraso socioeconômico, o que não foi transformado em resultados para a população na década seguinte. Assim, a instabilidade e a falta de confiança nas instituições democráticas dos Estados latino-americanos tomou conta da região que hoje está mergulhada na incerteza e nas acusações de diversos governos em casos de corrupção, o que demonstra mais uma falha da democracia na sua representatividade do povo, que vê seus representantes legislarem para si e não retribuírem os impostos pagos para melhores condições de vida.
Mas a insatisfação com a democracia, considerada somente a América Latina, ainda não seria suficiente - para muitos defensores - um sinal de esgotamento do regime criado na Grécia Antiga. Assim, vamos focar a análise na tida como "maior democracia do mundo", os Estados Unidos da América. As últimas eleições surpreendentes do país demonstram a falta de relação entre os representantes e quem eles representam. Isso porque, a despeito da candidata democrata Hillary Clinton obter a maior quantidade de votos (a maioria), ela não foi eleita devido ao sistema eleitoral colegiado dos EUA que concedeu a vitória ao magnata Donald Trump, mesmo com menos votos. Mas qual o sinal de esgotamento aqui? A questão em voga não é o sistema democrático em si, mas a regra dos colegiados. Nos tempos áureos da Pax Demokratia a maioria era alcançada de forma muito mais simples e fácil com a falta de acesso a informação e também governos mais bem estabelecidos. Atualmente mais uma vez a Revolução da Informação promovida principalmente após a disseminação da internet mundo afora (e nos EUA principalmente, já que eles que criaram a rede mundial de computadores), trouxe o acesso maior a dados e acontecimentos, o que dificulta a manipulação das massas de forma simples, exigindo esforços mais complexos. Além disso, há também a descrença dos próprios norte-americanos na política (ora, um país com eleições onde é possível se eleger presidente com apenas 22% dos votos gera muitas dúvidas).
Quando a democracia deixa de ser da maioria e passa ser das minorias
Nem o maior propagador do regime democrático escapa desse esgotamento. Há uma evidência na divisão criada pela polarização social nas duas maiores democracias das Américas: EUA e Brasil. No caso brasileiro, é evidente a divisão entre esquerdistas apoiadores do então governo petista Lula/Dilma, e os mais alinhados com a direita representada por Aécio Neves do PSDB - eleições de 2014 -. Essa divisão é criada por um efeito colateral das democracias pós-contemporâneas: O empoderamento das minorias. Nos EUA a situação é semelhante com a divisão acirrada entre republicanos e democratas, gerada pelo mesmo efeito. Mas como isso ocorre?
Hoje, com o empoderamento das minorias pela mídia principalmente e pela internet, as demandas que impactam um governo democrático são muito maiores em número e complexidade. Isso gera uma fácil polarização da população, já que é muito difícil a um candidato conseguir manter uma pauta política coerente e não contraditória, e ao mesmo tempo atender a demanda de todas as minorias existentes e com voz. Assim a divisão é muito mais acirrada o que em certos casos até inviabiliza um processo eleitoral confiável, em virtude das mínimas diferenças existentes de votos entre os candidatos. E é aí onde a falha atual da democracia é exposta. O acirramento eleitoral que leva à divisão populacional dentro de um processo de escolha do representante político, torna altamente provável uma plataforma eleitoreira que não atenda a todas as minorias e coloca em xeque a confiabilidade da eleição. Isso é a morte para qualquer democracia, pois sem confiabilidade, o processo eleitoral torna-se fonte muito mais de conflito e disputa por poder de forma escusa ao voto do que um solucionador e pacificador social.
Hoje, com o empoderamento das minorias pela mídia principalmente e pela internet, as demandas que impactam um governo democrático são muito maiores em número e complexidade. Isso gera uma fácil polarização da população, já que é muito difícil a um candidato conseguir manter uma pauta política coerente e não contraditória, e ao mesmo tempo atender a demanda de todas as minorias existentes e com voz. Assim a divisão é muito mais acirrada o que em certos casos até inviabiliza um processo eleitoral confiável, em virtude das mínimas diferenças existentes de votos entre os candidatos. E é aí onde a falha atual da democracia é exposta. O acirramento eleitoral que leva à divisão populacional dentro de um processo de escolha do representante político, torna altamente provável uma plataforma eleitoreira que não atenda a todas as minorias e coloca em xeque a confiabilidade da eleição. Isso é a morte para qualquer democracia, pois sem confiabilidade, o processo eleitoral torna-se fonte muito mais de conflito e disputa por poder de forma escusa ao voto do que um solucionador e pacificador social.
Portanto, com a falha exposta e cada vez mais incapaz de atender às demandas populacionais do povo, a democracia vai se afogando no seu próprio remédio: Dar voz a todos.
Uau, mano. Parabéns que analise fantastica. Te admiro muito. Acho que vc deveria enveredar por essa área política e de ensino.
ResponderExcluirVc tem o dom