O Impeachment de Dilma Roussef - O que muda e o que não muda com o evento.

Dilma sofreu o Impeachment, muitos ficaram satisfeitos, outros nem tanto, e ainda outros foram indiferentes ao caso. O que mudará no país (e de fato mudanças ocorrerão), e o que não mudará (há coisas que precisam de muito mais para que sejam alteradas).
Nesse artigo (após um bom tempo ausente) irei me debruçar brevemente no que é o impeachment, em que consiste esse processo e por que nossa ex-presidentE foi impedida de continuar seu mandato eleito por maioria dos cidadãos em 2014. Também irei esboçar um exercício de prognóstico do que jaz adiante com as mudanças que virão, e o que não mudará tão cedo.

Por que Dilma foi impedida de continuar seu mandato?

Segundo a acusação e a denúncia acolhida inicialmente pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal em seguida, a ex-Presidente Dilma praticou crime de responsabilidade (que não é crime como matar alguém ou roubar algo - que consta no Código Penal-). Esses atos da então Chefe do Executivo - na tese de Janaína Paschoal (promotora do caso) - feriram a Lei de Responsabilidade Fiscal e a Constituição Federal de 1988, quando o governo aprovou via Decreto (uma regra que na hierarquia das leis, fica abaixo de leis e da Constituição) créditos suplementares no Orçamento de 2015. Além disso, o governo petista lançou mão dos bancos públicos (Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil) para cobrir os déficits governamentais. Mas como foi isso? Bem, esse é o caso das "pedaladas" (que não eram aquelas imagens que a Globo insistiu em mostrar de Dilma andando de bicicleta) que a ex-Presidente efetuou através de operações de crédito (empréstimos) junto aos bancos citados para cobrir déficits nas contas públicas.
Essa é a tese de acusação, porém não foi o motivo real pelo qual Dilma sofreu o seu impedimento. Isso porque, por mais descabido ou um grito de desespero que pareceram as repetidas frases "Não houve crime" ou "Eu sou inocente", de fato é bastante questionável a matéria em si. O que quero dizer (e antes que os coxinhas de plantão me xinguem, não sou petista e nem de direita) é que Dilma foi impedida de seu cargo não por ter cometido delitos de responsabilidade, mas pela sua total incompetência política.
Não vou entrar no mérito jurídico da questão, porque não sou jurista e não me atreverei a entrar numa seara tão controversa quanto a legislação fiscal do Brasil (que até hoje não tem uma lei complementar que regulamente a gestão orçamentária e fica a mercê de leis temporárias como LDO, LOA e PPA). Vou me ater a explicar o porquê da afirmação sobre a incompetência (de fato, não de direito) politicamente. Assim, afirmo que Dilma colheu o que plantou primeiramente. Isso devido ao fato de sua total falta de carisma, simpatia e sua conhecida brutalidade, rispidez e falta de tato ao lidar com pessoas. Não é desconhecido para alguns, mas desconhecido para muitos, que ela não era um "poço de doçura" (principalmente com seus inimigos - atuais, no caso dos partidos de direita; ou de antigamente, no caso dos militares -). Além disso, decisões na área socioeconômica do país no seu primeiro mandato, em conjunto com opções feitas pelo governo Lula no segundo mandato, levaram o país a uma situação insolvente (não tinha dinheiro para pagar as contas). Esse fato teve seu custo na economia que aos poucos foi degringolando e consequentemente a popularidade de Dilma (muito em virtude do "sucesso" de Lula) despencou vertiginosamente.
Essa deterioração econômica inevitavelmente levou o país a uma diminuição do movimento de capital, fuga dos investimentos externos - dos quais o Brasil é desesperadamente dependente para crescer -, diminuição dos lucros das empresas e consequente desemprego progressivo. De fato, a tese sustentada por Dilma, na qual ela afirma que a crise foi causada por uma conjuntura externa - queda nos preços de commodities (em especial o petróleo), fim da expansão monetária nos EUA e diminuição do crescimento nos emergentes - encontra fatos comprobatórios, entretanto não a isenta de decisões errôneas que foram tomadas aqui e acentuaram os efeitos desse cenário desfavorável. E quais decisões foram essas?
Nos artigos apresentado aqui no blog, Brasil, o país do futuro (que nunca chega) e A crise econômica contemporânea: Comentário sobre as origens, razões e até quando irá durar dá para ter uma noção dos estragos que o país sofreu (e sofre por anos e anos). Mas a verdade é que uma política de gastos crescentes, um crescimento econômico baseado puramente no incentivo ao consumo (sem incentivo à produtividade), dependência externa exacerbada e corrupção governamental em diversos níveis são fatores que sem dúvida colaboraram para a crise política, para a crise econômica, para a crise fiscal e para a crise social que vivemos hoje. Todos esses atos (praticados pelos governos de Lula e Dilma) trouxeram o país ao atual estado complicadíssimo em que se encontra.
Assim, com a perda de apoio popular (motivada pela crise socioeconômica crescente, e com diversos desafetos no Poder Legislativo Dilma ficou praticamente isolada apenas com seus aliados mais próximos do PT). Para somar a tudo isso, a decisão em se contrapor ao então Presidente da Câmara, Eduardo Cunha e retirar o apoio foi o estopim para desencadear todo o processo de admissão da denúncia de Janaína Paschoal e Miguel Reale Júnior na Casa baixa do Congresso. Todas as discussões infindáveis e inúmeras votações demonstraram a perda total de base aliada que o Partido dos Trabalhadores sofrera e quão fragilizada e incapaz de aprovar sequer uma lei ordinária a Chefe do Executivo estava. Assim o processo de impeachment, apesar dos vários recursos lançados mão pela pequena base governista, correu sem grandes sobressaltos e culminou na sua aprovação final nessa semana.

Fim do Petismo - O fracasso da esquerda latino-americana. E agora?

Não é tão recente que governos esquerdistas na América Latina vinham mostrando sinais sérios de descompasso com suas respectivas sociedades. As promessas de extinção da pobreza, diminuição de desemprego e luta por mais igualdade social não vieram sem corrupção explícita nos governos (a ex-presidente Cristina Kirchner  da Argentina também sofreu sérias acusações de corrupção e os chavistas venezuelanos com a PDVSA nem se fala). Além da corrupção, houve também o excesso de gastos públicos com uma máquina inchada e ineficiente que não foi capaz de eliminar a precarização dos serviços públicos. Combinado a isso, não se pode esquecer também da dependência extrema de capital externo como forma de poupança externa, que tornou-se cada vez mais difícil de atrair com a crescente desconfiança pelos investidores em economias que viviam alterando as regras para atender requisitos legais e políticos (vistos os casos de manipulação dos dados inflacionários na Argentina, a escassez de produtos na Venezuela e o câmbio oficial totalmente fora da realidade, além das constantes revisões de metas fiscais no Brasil para atender à Lei de Responsabilidade Fiscal).
Portanto, a falência no maior país da América Latina do governo "esquerdista" é o sinal de que a era dos "bolivarianos" e a era do "neodesenvolvimentismo" acabou. Ora, se uma era acaba, outra toma lugar, e qual seria o caso? A resposta para isso encontra-se nas memórias dos que viveram os saudosos anos 90, os governos tidos na época como neoliberais e de direita. A verdade é que os próximos anos serão dos governos de direita e muito do que se viu na última década do milênio passado será novamente centro do continente e do Brasil. Os famosos arrochos fiscais, corte de gastos públicos, racionalização das ações estatais, privatizações, escassez de recursos, entre outros termos serão mais comumente falados pelas nossas bocas e pelos jornais.
A tônica do momento é corte de gastos e reduzir o tamanho do Estado, dando maior liberdade econômica para o mercado atuar livremente. O Presidente Temer já tocou em questões como privatização de presídios, hospitais, creches e ampliar as concessões de rodovias federais - sem falar na extinção da exigência de maioria de domínio no pré-sal pela Petrobrás em frangalhos -. Dessa forma, não será estranho se outros serviços e até empresas governamentais sejam privatizadas o neoliberalismo continue seu trabalho "de onde parou". Isso é uma crítica? Não é meu objetivo, até porque acredito que o governo de nosso país (assim como todos os governos mundo afora, não possuem o que mais piamente acreditam que tem, o poder de decisão). Assim, não tenho o porquê criticar um ente que não pode decidir por si só, uma vez que está inserido num sistema muito maior e globalizado.
Mas também é preciso ressalvar que não é possível ao neoliberalismo retornar com a mesma face e voracidade dos anos 90, até porque novos mecanismos atualmente em curso inviabilizam isso, como os programas assistencialistas do governo - que garante em muito os preciosos votos, quase como um voto de cabresto democrático -. Dessa forma, algumas concessões nas áreas sociais serão necessárias, e assim como o liberalismo da década de 1920 não pôde regressar nos anos 1970, o neoliberalismo dos anos 1980/90, não poderá regressar integralmente hoje. Portanto, não caberia chamar de um "neoneoliberalismo" pela cacofonia e impedimentos linguísticos. Assim, prefiro chamar daqui por diante de um liberalismo pós-contemporâneo (após a Era Contemporânea que muitos historiadores discutem se já não se encerrara). 
Finalmente, o liberalismo pós-contemporâneo terá vez sim em nosso cantinho do mundo nos anos a seguir, e iremos presenciar a continuidade dos sistemas precários, tanto pela corrupção, quanto pela diminuição de gastos sob a desculpa de "racionalização do Estado". Serviços privatizados, nosso país perdendo milhões novamente para o capital externo, podado de seu poder de auto-determinação, com um desemprego maior do que o que vimos nos anos 2000, "flexibilização" de direitos - que na prática serão remoção desses -, e outras surpresas.

O fim de uma era, mas a permanência de muitos costumes.

A queda de Dilma apesar de trazer muitas mudanças, também reafirmou muitas constantes infelizes em nosso país. Começarei falando da cena patética que o Senado Federal fez ao dividir a votação entre a decisão pelo impeachment da Presidente, e posteriormente a decisão pela inabilitação ou não dela por 8 anos politicamente. Com a aprovação do impeachment sem a inabilitação política, como foi o caso, mais uma vez ficou demonstrado que o "crime" compensa, já que Dilma pode tranquilamente ser ministra de Estado ou até mesmo se candidatar a um cargo político nas próximas eleições.
Outro ponto a ser levantado é a corrupção nos diversos níveis do Governo. Isso não mudará muito, pois para tal mudança seria necessária uma verdadeira reforma política, além de uma revisão completa  em várias leis que possuem brechas estratégicas para livrar nossos representantes da condenação. Isso não muda também, porque o Presidente mudou, mas a lógica governamental é a mesma, ou seja, os nossos representantes continuam com seus acordos políticos, seu costume de "uma mão lava a outra", e sempre legislarão em causa própria.
Os serviços precários que o governo oferece não irão mudar. Isso é uma tônica e sempre será infelizmente. Não pela falta de recursos, ou ainda pelos altos custos, ou muito menos pela complexidade de ações públicas, mas pelo simples fato da incompetência administrativa e gerencial dos recursos existentes. Várias pesquisas demonstram - eu mesmo já fiz uma nesse sentido que posso apresentar sem nenhum problema - que o grande desafio do Brasil é conseguir que os recursos cheguem ao seu destino, em pequena parte pela corrupção, mas em grande parte pela má alocação, isto é, má gestão.
Finalmente, como será o Brasil perante o mundo? O Brasil voltará novamente à lógica de um mero exportador de commodities, sem capacidade de produção industrial própria e sem incentivar uma indústria pujante, com câmbio mais desvalorizado, com risco mais alto para o investidor externo, com menor margem de incentivos fiscais para a economia e com mais desemprego. Assim, nos aproximamos dos países desenvolvidos, em especial EUA, e nos afastaremos um pouco da lógica de cooperação com países emergentes e em desenvolvimento.
Voltamos no tempo, mas alguém voltou antes e alterou o passado.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Editorial: Desinformação é a estratégia.

Mentiras que te contam na Internet

Amanda Klein pede para sair de programa da Jovem Pan após discussão com Rodrigo Constantino